Brindar é um ato filosófico quando é uma mulher no bar quem segura o copo.
- Evelyn Schuenck
- há 11 horas
- 2 min de leitura

Freud dizia que não somos donos da própria casa psíquica.
Nietzsche gritava que é preciso ter caos dentro de si para parir uma estrela dançante.
E Simone nos ensinou que a mulher não nasce mulher, torna-se.
Mas o que ninguém nos ensinou foi como se manter inteira
quando o mundo exige que a gente seja
forte, doce, sábia, firme...
e ainda assim
agradável.
A verdade é que às vezes não dá.
Às vezes a gente quebra.
Sem estardalhaço.
Só trinca.
E é aí que a gente corre pra onde ainda cabe:
o bar.
a esquina.
a mesa com vista pro copo.
o gole com gosto de libertação tardia.
Mulher bebendo sempre incomodou.
Mulher que chora num bar é “desequilibrada”.
Mulher que ri alto é “exagerada”.
Mulher que bebe sozinha é “triste”.
Mas ninguém pergunta se o copo é refúgio.
Se o gole é um intervalo entre o trauma e o poema.
Se, talvez, pela primeira vez, aquela mulher esteja respirando.
Porque mulher no bar é liberdade em estado líquido.
É alma derramada com gelo.
É corpo presente num espaço onde ela não precisa performar.
Só existir.
E nesse existir, ora cambaleante, ora intenso,
há mais lucidez do que cabe na lógica dos sóbrios.
Beber como uma garota é sentar numa mesa com outras mulheres e dizer:
"eu também pensei em sumir essa semana."
"eu também amei quem não me quis."
"eu também tô cansada de fingir força."
E de repente, a solidão canta em coro.
A dor ganha voz.
A vergonha vira riso entre copos.
Há beleza em desmoronar.
Poesia na ressaca.
E arte nas histórias que a gente conta depois da terceira taça.
Quando brindamos entre mulheres, a taça não estala só pelo barulho:
ela estala porque dentro dela tem dor compartilhada,
riso com eco,
silêncio confortável.
Ali, naquela mesa marcada por copos e frases inacabadas,
a gente reconstrói o que o mundo tentou apagar:
nossa história.
E não é uma história linear, nem sempre bonita.
Às vezes é feita de erros repetidos, recaídas conscientes, paixões mal curadas,
ciladas que a gente entrou de salto alto.
Mas é nossa.
É vivida.
É sentida com intensidade e sem manual.
Ser mulher é caminhar em cima de cacos sorrindo.
É pedir um drink enquanto segura o choro.
É rir no meio do caos, porque se não rir, desaba.
É seguir mesmo cansada, mesmo sem saber pra onde,
mesmo que a única certeza do dia seja:
“eu tô aqui. e isso já é muito.”
Colocar o peito na mesa,
o passado na taça,
e brindar ao fato de que, apesar de tudo,
a gente ainda escolhe sentir.
E sentir,
num mundo que tenta nos anestesiar o tempo inteiro,
é a forma mais sincera de revolução.

Comments