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  • Foto do escritorDéa Cossalter

Relacionamento abusivo

Nem sempre é claro para quem está dentro de um relacionamento, que ele é tóxico e abusivo. Às vezes a gente acha que o companheiro está “só” em dias ruins e mais que nunca precisa da sua ajuda. Ou ainda pode achar que você está sendo egoísta, ou dando pouca atenção, ou tudo isso junto.

Experimentei por muito tempo. Mas tenho certeza que não é exclusividade minha, muitas mulheres passam por abusos e a maioria delas não entende de fato o que está acontecendo e fazendo com sua própria vida.

Eu, uma mulher de 44 anos, só entendi há pouquíssimo tempo que tudo aquilo que eu passei vinha de um homem tóxico, abusivo e manipulador.

O início do relacionamento foi lindo, perfeito. Não tinha defeitos. Ele era o bom moço, o rapaz trabalhador, pagava “os boleto” tudo, o cara respeitado por todos, o responsável. Era o relacionamento dos sonhos, não tinha como dar errado.

Eu sou seis anos mais velha que ele, já tinha um filho pequeno e na época começaram os bochichos por parte da família dele. Eu só sei dos bochichos porque ele mesmo me contava, tá? Aliás, contava horrores.

Ele chegou a brigar com pai, sair de casa porque o pai disse a ele que eu era uma prostituta (pela minha maneira de vestir, cabelo, falar palavrão, beber, etc.) e que era pra ele se separar da minha pessoa. Tudo isso ele me contou também.

Nunca mais ele foi o mesmo. Culpa do pai? Não sei como medir isso, mas a junção influência da família dele (segundo ele) e caráter próprio (dele) foi definitiva para os anos seguintes. Um homem inseguro, cheio de traumas familiares (segundo ele) e que nunca esteve disposto a realmente se tratar. Isso é uma coisa.

Outra coisa é: caráter... então não importaria o quanto de influência ele tivesse contra mim, o caráter dele definiria suas atitudes. É o que eu penso baseada nas minhas experiências.

Eu ouvia coisas como: que eu tinha que cozinhar como a mãe dele cozinhava, porque ela era a rainha, só ela sabia fazer, só a avó dele sabia fazer, e as tias e a porra toda da família dele sabia fazer, menos eu. Eu ficava quieta no início, depois eram brigas homéricas. Fui ficando com ódio.

O ciúme dele passou a ser possessivo e contraditório. Eu não podia cumprimentar um colega, que ele dizia que eu tinha “caso” com a pessoa. Me lembro de uma das vezes (foram muitas), fomos a um bar porque meu primo que tem uma banda, ia tocar. Conversei com todo mundo lá, com o dono do bar inclusive. Ele se afastou, me deixou sozinha e quando fomos embora, no carro ele perguntou se eu tinha “dado” pro dono do bar. Era assim.

Eu chorava, chorava, chorava...Ele via me via chorar e ia dormir. Não entendia o porquê das acusações e sempre perdoava porque ele vinha todo humilde se desculpar depois, dizia que estava aprendendo a se relacionar, que ia se esforçar, que ia mudar, me levava pra jantar, me dava presentes... a velha história de sempre. Aí eu enxugava as lágrimas e continuava sempre acreditando.

Paralelo a isso, ele se recusava a sair comigo na maioria das vezes e quando saía, era cara feia e voltar correndo. Dizia que eu podia sair sozinha. Mas eu não queria sair sozinha, eu queria sair com ele (estávamos juntos, não?!!). Eu questionava, não entendia aquilo. Ele sempre se justificava dizendo que não tinha vontade de sair... ou que não gostava dos meus amigos.

Eu estava em uma gaiola. Casada e sozinha. Compartilhar essas informações não ajudava muito, já que vinham sempre acompanhadas de muito julgamento e pouca ajuda efetiva.

Ele implicava com meu tom de voz, dizia pra eu falar baixo. Porque eu “falava alto igual minha mãe”. Ah sim, também não podia rir alto, porque eu era muito escandalosa. Eu rio alto e esquisito e às vezes me sentia mal, ele me dava bronca em qualquer lugar. Um dia também me disse “do nada”: “Quando você ficar velha vai ter que tomar hormônio, não vou ficar sem sexo”.

Nunca me apoiou no meu trabalho, fosse qual fosse. Como fotógrafa, nunca ele se aproximou para ver algum trabalho meu, um elogio, nada. No começo eu o chamava para ver uma sessão de fotos que eu tinha feito, mas ele dizia que não se interessava por fotos, que não ia ver nada.

Não aprovava que eu trabalhasse de forma autônoma, ele dizia ”tenho medo que você fique igual ao seu pai”.

Hoje ele trabalha como autônomo. O pai dele também.

Sempre me colocava pra baixo, nada que eu fazia era certo, só o trabalho dele tinha valor, só ele era inteligente e esperto o bastante.

Ele não tinha amigos (ou dizia que não tinha). Criticava os meus. O lance dele era me fazer sentir menos, em qualquer departamento. E eu me sentia. Sentia que nunca era boa o bastante pra nada.

Nos separamos e reatamos várias vezes por muitos anos. Em uma das vezes eu já estava namorando outro homem, e me separei pra voltar com ele, por uma chantagem emocional pesada; Ele sempre voltava se justificando e eu acreditava. Eu estava totalmente sem amor próprio, mas não percebia, achava que precisava dele pra viver. Fui perdendo o respeito por mim mesma sem perceber.

Em uma das últimas vezes que reatamos, ele propôs uma lua de mel para zerar as coisas. Além do que, eu havia sofrido um aborto espontâneo e estava muito triste. Eu achei linda a ideia da lua de mel, acreditei e embarquei de cabeça. (De novo). Fomos a Maceió, em um passeio organizado (muito mal) por ele. Mas eu estava feliz em recomeçar. Muitas novas promessas que comprometeriam parte de um futuro meu e do meu filho.

E em meio àquelas praias de cartão postal, lindas e cristalinas, ele não saía do celular. Eu estava mais uma vez sozinha. Ele não estava ali comigo. E pela primeira vez em 16 anos juntos, eu resolvi olhar o seu celular. E peguei. Ele tinha outra. Amiga do colegial, há anos. Então tudo ficou claro, tão claro que quase me cegou de luz, entendi tudo. Óbvio que ele se justificou, colocou a culpa nela. Ela que ficava atrás dele. Coitado. Mas eu li a conversa, não tinha álibi. Em uma das frases, ele escreveu para ela: “Faltou você aqui comigo... mas você não quis”. Aquilo foi surreal pra mim, não tenho como definir em palavras o que eu senti. Dor infernal.

Nos separamos. Mas eu ainda precisava do golpe de misericórdia, eu ainda não o enxergava totalmente pela minha falta de autoestima. Tive uma recaída. Saímos pra conversar, como se nada tivesse acontecido. Enquanto conversávamos ele me chamou pra viajar com ele em um mochilão de 40 dias. Eu aceitei. Bebemos e fomos para a casa dele.

No dia seguinte ele estava completamente diferente. Veio com uma conversa que estava se sentindo culpado, pois estava namorando (OI??!!). Ou seja, traiu a namorada atual com a ex mulher. Que original. E que na viagem (agora ele iria sozinho) ia pensar com quem ficaria (se comigo ou a namorada)..HAHAHAHAHAHAHHAHA...Não, meu querido! Falei que eu não estava disputando nada com ninguém, muito menos macho e muito menos ex marido. Me usou, não me contou que estava namorando. Me usou porque achava que estava brocha.

Sim, demorou anos pra eu acordar. Eu não era assim, era muito segura, alto astral, me amava. Fui me perdendo aos poucos, não sei dizer o porquê. Passei a acreditar que ele era minha única saída pra tudo. Mesmo sofrendo, achava que era normal. Não é, miga! Houveram outros fatos bem pesados que nem vou citar aqui, esses bastam para exemplificar.

A gente tem mania de sofrer calada. A gente tem medo, vergonha de falar. E vai se definhando, vai se perdendo, vai perdendo a própria identidade. Isso é muito grave!

Este é um assunto muito complexo e amplo. Mas estamos acordando e aprendendo a cada dia, eu estou.

Hoje, me desconstruindo e reconstruindo minha identidade, não tenho mais medo de me posicionar e dizer o que quero e que não quero. Desconstruindo tudo que aprendi (é dolorido sim). Estar sem par não é o que “vendem” pra gente, para aceitarmos qualquer porcaria.

Achamos que amor são dois que tem que se tornar um. Não, não tem! Porque somos seres individuais e não podemos garantir que a outra pessoa vá te cuidar e amar para sempre. Não somos metade de uma laranja. Nem laranja somos. Cada um, um ser completo e isso precisa ser respeitado. Não somos panelas com ou sem tampa, nem panelas somos. Se for para ter um companheiro, que seja realmente um companheiro.

Se você passa por situações parecidas ou sabe de alguma mulher que esteja passado, procure ajuda. Mas não de quem não entende. Procure Coletivos Feministas da sua cidade, orientação para se fortalecer, enfim, mulheres que saibam o que você está vivendo. Gente pra apontar o dedo não serve, aproveita e faça um limpa de gente tóxica da sua vida. Lembrando que amigos e familiares também podem ser tóxicos e abusivos, tá?

E quando a gente começa a reencontrar a própria identidade, menina do céu, vai descobrindo maravilhas que na verdade, sempre moraram em você.

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